[Resenha] Grande Magia, Elizabeth Gilbert

18/12/15


A criatividade foi um dos temas que esteve em alta durante 2015. Cursos de empreendedorismo criativo, oficinas sobre processos de criação e muitas publicações a respeito, ajudaram a popularizar um tema antes restrito à arte e áreas afins. Eu, particularmente, não acredito que exista uma fórmula pronta a seguir para ser criativo. E também não acho que é necessário trabalhar num determinado nicho como, por exemplo, o design. Você pode usar a criatividade ao inovar na receita de bolo, ou ao fazer um projeto DIY para sua casa.

Dentre os livros lançados, um deles chamou minha atenção por ter sido recomendado por várias artistas que sigo. Geralmente não acompanho essas "ondas" (demorei muito para ler Roube como um artista, e confesso que não achei lá grandes coisas), mas era tanta gente legal falando bem, que resolvi arriscar: comecei a ler Grande magia: vida criativa sem medo, da Elizabeth Gilbert (autora de Comer, Rezar, Amar) sem muitas expectativas, mas fui surpreendida. 

Foi meu primeiro contato com a autora, e gostei muito da maneira simples e direta como ela aborda o assunto, sem ficar restrita ao meio artístico. Todos podem (e devem) ter uma existência criativa e se permitir pensar e agir de um modo diferente. Usando a própria experiência, Liz vai nos mostrando, no decorrer da leitura, que pessoas criativas não são iluminadas, geniais ou mártires. Elas apenas se permitiram ser assim.


Essa leitura veio num momento de grande questionamento do meu próprio trabalho. Foi um período no qual fechei lojas, parei de aceitar encomendas, desapareci das redes sociais e suspendi projetos e parcerias. Eu me perguntava diariamente se era capaz e se realmente queria seguir adiante. O por quê de algumas coisas funcionarem para os outros e não para mim. O que eu estava fazendo de errado. E a cada página lida, foi como se eu descortinasse o mundo novamente. A autora não passa a mão na cabeça do leitor em nenhum momento, e chega a ser cruel algumas vezes. Talvez esse seja o grande trunfo de Grande Magia: criativos precisam ler umas verdades para cair na real.

Muitos temas chamaram minha atenção, mas vou tentar resumir em alguns pontos-chave, para a resenha não ficar muito grande (mesmo porque o número de marcações no livro superou as expectativas, obrigada Post-Its!):

Não dependa do seu trabalho criativo para sobreviver: talvez essa tenha sido a coisa mais honesta que já li sobre viver "de arte". Ainda mais nos dias de hoje, onde muita gente propaga o discurso de largar tudo para fazer o que se ama. Liz diz exatamente o contrário: tenha um emprego que pague as suas contas, para ter tranquilidade e estabilidade para criar. Seja a escrita, o desenho ou a jardinagem, o trabalho criativo não pode arcar com as consequências de ser seu mantenedor, pelo menos no início. Ler isso foi como levar um tapa, pois já me amaldiçoei demais por não conseguir viver totalmente de ilustração. Me sentia roubando das minhas amigas que são 100% freelas, me sentia uma fraude. E isso leva a outro ponto debatido pela autora:


Pare de sofrer e de reclamar: como ser criativo se isso é encarado como um fardo ou um karma? Ainda temos aquela ideia romântica do artista sofredor, que coloca uma boa dose de dor misturada ao seu talento, como se fosse impossível criar dentro de uma atmosfera de felicidade. Pelo contrário: é preciso libertar a criatividade da ~sofrência~ e da ideia de que, ao terminar um trabalho, estamos entregando um filho ao mundo. Encarar uma obra como se fosse um bebê nos impede de receber críticas, de aceitar nãos, de fazer ajustes, cortes, ou até mesmo lidar com o fracasso.

Trabalhe duro: Em várias passagens, Liz conta como era ter dois empregos em bares e, ainda assim, arrumar tempo para escrever e encaminhar seus textos para várias revistas. Depois de muitas negativas, finalmente teve um conto publicado e pode contratar uma agente literária. Mas isso levou anos, não aconteceu da noite para o dia, e sequer fez a autora relaxar. Procrastinar e reclamar que nada acontece vai levar a... nada, mesmo.

Sobre críticas e recepção do público a uma obra, a autora ressalta que não temos controle sobre a opinião alheia e, sinceramente, isso não deve nos incomodar. Nossa parte foi feita, cada um vai receber a mensagem da maneira que quiser e estiver disposta. Em tempos de internet e de opiniões extremistas, ter essa visão sobre o próprio trabalho deve ser libertador. Ainda não cheguei lá, confesso. Me preocupo com a mensagem que estou passando e me esforço para ser compreendida. Porém, já fiz questão de gravar no meu mural a seguinte passagem: 

"Deixe que as pessoas tenham suas opiniões. Mais do que isso, deixe que as pessoas sejam apaixonadas por suas opiniões, assim como eu e você somos apaixonados pelas nossas. Mas nunca se iluda a ponto de acreditar que precisa de bênção (ou mesmo da compreensão) de alguém para fazer o próprio trabalho criativo. E lembre-se sempre de que os julgamentos que as pessoas fazem de você não são da sua conta."


O vídeo acima é uma palestra que a Liz Gilbert fez no TED e que serve como ótimo complemento para o livro. Além de falar sobre como a criatividade muitas vezes é encarada como um fardo pelos artistas, ela defende a ideia de que, ao invés de ser um gênio, que cada pessoa tenha um gênio. Assista para entender, é excelente!

Espero ter contribuído com mais uma leitura que adorei fazer. Lembrando que títulos como este são destinado ao público leigo, para que várias pessoas tenham acesso a ideias antes restritas a pequenos grupos. Não se compara a, por exemplo, Criatividade e Processos de Criação, da Fayga Ostrower, mas esse nem é o objetivo. O importante é tomar gosto pelo assunto e, aos poucos, aprofundar os estudos. Posso fazer uma resenha deste e de outros livros mais acadêmicos que tenho no meu acervo, se for de interesse geral da nação. ;)

Comentários

  1. Ahh eu tenho esse livro, mas só li algumas páginas! Eu até postei no instagram uma citação do livro que achei interessante a observação dela, em que ela fala sobre o sucesso de quem trabalha com alguma área da criatividade... Tenho que terminá-lo também. Na verdade, eu tenho um pé atrás com livros de auto-ajuda, por que geralmente eles só falam o óbvio. Mas reconheço que as vezes precisamos ser lembrados do óbvio porque esquecemos dele mesmo... T__T Mas não sei se concordo com essa parte do "não depender do trabalho criativo pra sobreviver" (no início ou não), não, hein. Por que as pessoas, seja lá em qual área for, começam do zero, e aos poucos vão crescendo, não é? Concordo que não se deve sonhar em fazer sucesso de primeira, da noite pro dia...Mas acho que em qualquer coisa que a gente faça, as coisas vão se desenvolvendo e crescendo (só a filha da Xuxa que não precisa passar por isso! aiheuiaeh). E acho que isso vai de encontro com o outro item "trabalhe duro". Principalmente quem está começando. Acho que o ponto principal deve ser o foco. Se focar no que quer e trabalhar duro para isso...Por que quando tu está trabalhando em outra coisa, tu tá desviando o teu foco para essa outra coisa. Ou no minimo dividindo o foco e energias com essa outra coisa. E dai vem a questão das reclamações. Por que tu não está 100% focado nisso, a gente se frustra e reclama..e acaba reclamando mais do que produzindo algo... T__T

    Eu já li vários textos sobre largar tudo para viver do que ama (que tu mencionou no teu texto também) pontos a favor e pontos contra... eu entendo que para algumas pessoas (incluindo eu! T__T) é algo surreal, mas conheço gente que conseguiu, viu. Esse meu amigo praticamente comeu capim no inicio, mas por que ele se focou só no que queria, agora ele está super bem. Por isso que digo que o negócio é o foco, força de vontade e os pés no chão...Acho que é possível sim. É sofrido, mas é possível.

    Ah, eu aceito uma resenha desse "Criatividade e Processos de Criação, da Fayga Ostrower"!!! xD Eu tenho um outro livro sobre criatividade, do Osho, mas acho que é meio viagem, sobre espiritismo...não sei, ainda vou ler..
    bjss :*************

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    1. Eu recomendo que tu termine a leitura, porque é muito bom! E não tem muita autoajuda, ele segue mais a linha do "A arte de pedir", da Amanda Palmer, e do próprio "Roube como um artista".
      Entendo o ponto de vista da Liz, porque ela fala da própria experiência: antes de ser escritora, sempre trabalhou em outros empregos que pagavam as contas dela e, quando chegava em casa, escrevia e mandava textos para as revistas. Acho importante uma escritora de sucesso falar isso, porque tem muita gente que acredita que vai começar a escrever e já se tornar best-seller.
      E também tem muitos que desmerecem o trabalho de outras profissões (como o caso do designer que trabalha no MacDonalds, não sei se tu viu), e ela coloca isso como um caminho natural para quem deseja viver de sua arte, que no início é difícil depender exclusivamente dela e, para evitar uma crise criativa, procure outro trabalho para se manter.
      A Clau Souza fala no Curso Carreira de Ilustrador que muita gente não quer mais começar em agência, quer ser freela direto, mas ela aconselha ter a experiência de um emprego com carteira assinada, paralelamente aos freelas. E, assim como eu, muitas pessoas fizeram licenciatura em Artes e são professoras, fazem concurso público, e mantém as duas carreiras.
      Claro que (experiência própria), tem horas que o foco realmente se perder, não tem como manter o pique depois de pegar 4 ônibus, vem o cansaço e a gente não quer criar, só comer e dormir porque tem o outro dia. Mas acho que se não fosse pelo meu emprego 1, não conseguiria só ilustrar.
      É muito legal esse tipo de reflexão, nos mostra que procurar o meio-termo é muito difícil!
      Beijos! :*

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  2. Bacana, Lidy! Tb tenho evitado esses 'blockbusters'... Não pq eu não goste, mas pq tenho lido demais esses livros da moda e com pegada de autoajuda e de menos outras coisas mais densas e literárias. Mas sua resenha me fez me interessar mais pelo livro. Talvez eu não resista. :O Teho interesse pela resenha do livro da Faiga... Tenho outro livro dela aqui em casa.

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    1. Oi Lili! Pode ir nesse sem medo, ele não tem aqueles clichês de autoajuda e a autora coloca muito da própria experiência. Eu até estava lendo umas entrevistas que ela deu na época do lançamento e fiquei surpresa com todo o estudo sobre criatividade por trás do livro.
      Beijos!

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  3. Adorei a dica e a postagem!Assisti a palestra e amei!
    Muito bom seu blog!Parabéns!!!!!!

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  4. Já curti os pontos abordados nesse livro,vou procurar pra ler. "ter tranquilidade e estabilidade para criar" na verdade me debato contra esse ponto até hoje. Acho que se você gosta de arte tradicional como eu é ainda mais difícil,pq o mercado é basicamente para aqueles que fazem ilustrações digitais e rápido.Eu queria voltar à época dos livros pintados à mão e trabalhar numa editora, que nem a Miss Potter que ilustrava os contos dela...Mas real life ainda mais aqui no BR,muuuito difícil. Talvez se eu tivesse nascido em outro país...Mas aqui é muito hard.Por isso acabei fazendo concurso público pra professor.Esse ano foi super complicado pra mim pq quis largar tudo pra me dedicar às minhas criações mas pra isso teria q abrir mão da minha independência,então a crise foi difícil de se superar. Concordo com os demais pontos,li um livro sobre processo de criatividade que diz o mesmo: esse lance de criar em cima de tristeza é uma romantização errônea da sociedade.Ideia igualmente romantizada como usar drogas pra criar ou estar chapado, como se sem esses dois estados você não produzisse nada.Isso é perigoso de se propagar.
    Enquanto ao trabalhar duro,sempre falo isso. Tem gente que quer tudo pra hoje e agora e principalmente na área de artes,é paciência.O reconhecimento do que vc faz vem com o tempo,assim como a sua evolução.Adorei a dica do livro Lidy vou procurar pra comprar na estante virtual =o

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    1. Miss Potter <3 e aquelas ilustrações maravilhosas. Uma das minhas maiores vontades é ilustrar um livro infantil, muito por causa dela. O que tenho visto (pelo menos através dos instagrams de artistas gringas) é que há um retorno da ilustração tradicional nos livros, a Alina Chau é uma artista que sempre posta trabalhos para editoras, tem até Senhor dos Anéis!!!!
      Esse livro foi muito tapa na minha cara, em vários aspectos, e me ajudou a não sentir culpa por não me dedicar à ilustração da maneira como vejo os outros nas redes sociais, como vc falou, em outros países a realidade é diferente, assim como em grandes centros urbanos do Brasil, então passei a valorizar mais minha experiência e lidar com isso da melhor maneira.
      Recomendo muuuuito a leitura, agora quero ler o da Amanda Palmer, que fala sobre financiamento coletivo e nosso medo de pedir ajuda para os outros, deve ser bem legal também.
      Bjs!

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  5. Bacana o livro Lidiane, me interessei pela resenha. Não sou muito de ler os ultimos lançamentos também (Beijos, sebo!) mas esse negócio que o artista não precisa sofrer pra criar, me deu uma outra perspectiva. Quando eu li esse parágrafo aqui, o céu se abriu, desceu um pombo-correio, e me entregou uma carta escrita "Pare de sofrência."
    Essa parte é a melhor! Eu tinha lido essa transcrição no teu perfil uma vez, e andei procurando esses dias pq tinha gostado, e agora eu vejo ela aqui.
    Mas quanto ao daemon e aos gênios do vídeo da escritora, eu não sei se concordo muito. Aliás, é justamente essa idéia que "desenhar é um dom", que justifica tanta gente querendo que a gente trabalhe de graça...
    Bjs!

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    1. Pois é, essa parte do daemon me incomodou no livro, porque cai no dom, certo. Aí eu vi a palestra, voltei no livro e reli e (acho) que para a Liz, é uma maneira de tirar dos ombros do artista a necessidade de ser perfeito. Tipo colocar no gênio toda a culpa por qualquer coisa e ficar livre para criar. Mas também não dá pra usar essa teoria pra justificar erro sobre erro, e esse é meu medo que uma leitura equivocada disso possa causar.
      Mas no geral o livro é muito bom e gosto da naturalidade da Liz em admitir que não pretende repetir o sucesso de seu maior best-seller e em abrir isso para o público.

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  6. <3
    Que bom que o livro fez diferença pra ti.

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