O tema de novembro do Girls Artist Gang foi Dia de Los Muertos e eu *gritei* com a possibilidade de fazer mais caveirinhas, que tanto amo. Minha relação com esse tipo de arte é tão forte, pois foi no momento em que desenhei a primeira Catrina que decidi seguir profissionalmente pelo caminho da ilustração.
Também foi uma oportunidade para retomar a aquarela e fazer coisas novas. O meu ponto de partida foi uma pesquisa no artbook da Sylvia Ji, que mostrarei ao final da postagem. Ela é uma das minhas maiores referências e tentei compreender um pouco da sua paleta de cores, principalmente o uso do dourado. E como estou desde o início do ano empenhada numa série de ilustrações botânicas, quis trazer esse elemento para a composição, trocando as tradicionais rosas e cravos-de-defunto por costelas-de-adão.
Embora a base de pesquisa tenha sido o trabalho da Sylvia, o resultado continua sendo uma ilustração com a minha cara e meu traço. E essa é a maior diferença entre inspiração e cópia. A inspiração te ajuda a estudar, a montar um percurso criativo e testar coisas novas (paletas, composições, temas). Já a cópia per se será sempre uma tentativa frustrada de transferir o traço do artista para o papel. Acredito que é importante sempre tocar nesse ponto, pois muitas pessoas acham que existe um caminho mais fácil para desenhar, que é montar um Frankenstein de estilos copiados de outros ilustradores, porém, sem se aprofundar em nenhum estudo sério. E essa ideia é totalmente equivocada.
Outro teste que fiz para essa ilustração foi utilizar aquarela num papel com gramatura menor, sem ondular. E consegui esse efeito com tintas mais opacas e granuladas, diluídas em pouca água, só o suficiente para não empastar. Gostei do resultado, o único inconveniente é que assim a aquarela seca muito rápido, portanto, é preciso ter agilidade. Para os detalhes, segui utilizando os meus lápis de cor e marcadores branco e dourado para abrir pontos de luz. O resultado:
Materiais utilizados
- papel Canson creme 200g;
- aquarelas Van Gogh;
- pincéis Keramik;
- lápis de cor Polycolor;
- Marcador Posca dourado;
- Caneta Sakura Gelly Roll branca.
*O contorno foi feito com grafite azul da Pentel.
Esse trabalho coincidiu com a leitura que fiz do livro Confissões do Crematório, da Caitllin Doughty. A autora conta detalhes de sua vida como agente funerária e experiências de quando começou a trabalhar na indústria da morte norte-americana. É interessante a visão que Caitlin traz de como a sociedade ocidental está medicalizando e se afastando dos rituais de morte, vistos como um atentado à saúde pública. E é um contraponto interessante a toda tradição mexicana de celebrar os mortos, ir até os cemitérios ofertar doces, música e dança, pois a morte é apenas uma passagem.
Todas as culturas têm valores de morte. Esses valores são transmitidos na forma de histórias e mitos, contados para as crianças antes de elas terem idade suficiente para guardar lembranças. As crenças com as quais as crianças crescem dão a elas uma base para que suas vidas façam sentido e para que elas as controlem. Essa necessidade de significado é o motivo pelo qual alguns acreditam em um sistema intrincado de vidas após a morte, de outros acreditarem que sacrificar um determinado animal em um determinado dia leva a colheitas saudáveis e a outros acreditarem que o mundo vai acabar quando um navio construído com as unhas não cortadas dos mortos chegar carregando um exército de cadáveres para lutar com os deuses no fim dos dias. (pág. 214)
Sobre o artbook Day of The Dead and Other Works, da Sylvia Ji, além de ser meu desejo de consumo há mais de um ano, quando foi lançado, é também um dos livros mais bonitos do gênero que tenho na estante. A obra traz um compilado de trabalhos com as já famosas catrinas da pintora, além de damas mórbidas, santas e toda sorte de elementos da cultura mexicana. Sylvia Ji transita com maestria entre o grotesco e o sensual, sem sexualizar suas figuras. Elas são representações de poder, de vida e morte e de passagem, com um erotismo bem pontuado.
As obras da Sylvia me fizeram lembrar outra leitura que fiz: Lua Vermelha, da Miranda Gray. Neste livro, a autora trata do tema menstruação, e traz uma série de mitos relacionados ao útero e à força criativa da mulher. Uma das figuras exploradas é a da Deusa escura, que teve sua imagem distorcida ao longo do tempo. Para a autora:
A imagem da Deusa da vida e da morte, da escuridão e da luz, como uma representação do ciclo inteiro da Lua, foi dividida. A imagem da Deusa escura das energias destrutivas e da morte foi separada do seu outro aspecto, das energias generativas e da vida. A imagem feminina da morte e da destruição não vinha mais acompanhada da imagem consoladora do retorno ao útero universal a fim de renascer e, dessa forma, o ciclo lunar de vida, morte e renascimento foi rompido. A imagem da divindade feminina tornou-se polarizada, com a brilhante Deusa da Vida e a terrificante Deusa do Mundo Inferior, que trazia com ela o fim, representado pela morte. (págs. 110-11)
Algumas imagens do artbook:
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