Não é de hoje que as discussões sobre mudanças no algoritmo do Instagram tomam conta das redes sociais e grupos dedicados à arte. Muitos artistas, principalmente aqueles com menor visibilidade, estão preocupados com o alcance dos seus posts e possível queda no número de encomendas por conta disso.
Engajamento virou pauta, muito mais do que estudar os fundamentos do desenho, redigir um bom contrato, compreender o processo criativo ou como abrir um MEI. E isso passou a me preocupar, em muitos níveis. Primeiro, porque cada vez mais jovens estão começando a ilustrar, pessoas na faixa dos 15-17 anos, em idade escolar. Segundo, porque o número virou ponto de chegada, e não o trabalho em si. Por isso, gostaria de abrir um espaço para reflexão sobre todas essas questões.
Se você olhar minha última foto na conta artística que mantenho no Instagram, o número de curtidas é pífio. Minha conta estacionou em número de seguidores no começo de 2018 e, de lá pra cá, só cai. Tudo começou a cair quando não tive mais tempo para me dedicar àquela rede social. Dispender vários minutos por dia para seguir, curtir, comentar e compartilhar virou luxo na minha rotina, o máximo que consigo fazer é, duas vezes por semana, curtir tudo o que posso dos meus contatos e postar alguns stories. Foto no feed é raridade ainda maior, visto que também produzo pouco. Somado a isso, deixei de seguir em torno de 500 contas, entre perfis inativos e artistas que já não rolava tanta identificação assim com o trabalho. Acabei criando uma conta pessoal para seguir amigos e postar fotos aleatórias, sem pressão, e desopilei ainda mais daquela rede.
Foi libertador não ter que me preocupar em postar e parar de achar que meu trabalho era medido pelo número de curtidas. Num primeiro momento, a leitura que vocês podem fazer é que hoje eu não vivo de freela e posso me dar ao luxo de não me preocupar em manter redes sociais ativas, mas a realidade é que, mesmo quando eu pegava trabalhos comissionados, raramente eles vinham de redes sociais, mas sim daqui do blog e de indicações. E até hoje, quando surge uma proposta, é porque a pessoa me encontrou pelo blog, ou porque um amigo encomendou algo comigo há alguns anos e me recomendou.
A Camis Gray, ilustradora que adoro, compartilhou um tweet sensato esses dias, que diz:
as vezes to mexendo no behance e vejo uns ilustradores muuuito fodas, e qdo vou ver o instagram tem 300 seguidores... mas tão cheio de projetos incríveis e clientes grandes. é bom ver isso pra tirar um pouco a importância daquela rede que as vezes faz muito mal.— Tears for Spears (@camisgray) 6 de junho de 2019
Quando vejo postagens em grupos de arte e ilustração, nas quais as pessoas estão arrancando os cabelos por engajamento e criando grupos onde tem hora pra postar, curtir e comentar, fico bastante desconfortável. É como se existisse uma ansiedade coletiva para atualizar o feed e receber curtidas; como se isso fosse medir a importância de um trabalho e gerar dinheiro. Vejo até artistas fazendo "estudo de caso" de profissionais com grande número de seguidores (como o Gabriel Picolo, que tem mais de 2 milhões de seguidores no Instagram e hoje trabalha para a DC), esquecendo-se que quem está no "topo" é porque escreveu uma trajetória de muito trabalho até chegar lá. Não existe fórmula pronta.
E dá-lhe reclamação por não ter visibilidade, por ter muita gente que "não merece" e consegue trabalhos legais, e a pessoa ali, imersa naquele círculo vicioso de tomar os outros como exemplo, sem olhar com carinho para o próprio trabalho, sem enxergar o propósito daquilo que faz. Na minha opinião, é isso que tem matado a capacidade criativa de uma geração inteira de jovens artistas. Ter reconhecimento é legal, receber feedback de um grande público é muito bom, mas saber porque você realmente está ilustrando e aonde quer chegar com seu trabalho é melhor ainda, pois é algo permanente.
Vai chegar um dia em que as redes sociais como conhecemos vão desaparecer. Surgirão outras e, com elas, diferentes formas de compartilhar e consumir arte. Pode ser que toda a internet mude a qualquer instante, e não são as pessoas com o maior número de visualizações que vão sobreviver, mas sim aquelas que realmente amam o que fazem e se dedicam a sempre estudar, aprimorar e buscar parcerias de trabalho sólidas que, independentemente do meio, vão buscá-las quando precisarem de alguém para um projeto bacana.
Arte não é um algoritmo, e a nossa vida também não é.
Photo by Prateek Katyal on Unsplash
Massa, Lidy! Tb tenho pensado bastante nesse assunto... esse ano minha mãe descobriu um cancer de mama e estamos todos aqui em casa mto em função de cuidar disso há meses - eu em especial q tou gerenciando tudo - (ela fez cirurgia há 2 semanas e estamos aguardando exames pra saber se terá de fazer quimio). Daí não tenho conseguido produzir mto mto menos postar por n ter tempo e as vezes só n tar com cabeça mesmo. E isso tem me feito refletir mto sobre essas questões todas de como as redes sociais são esquisitas e significam mto pouca coisa... profissionalmente... e tb diante da vida como um todo. Tb me incomoda esse desespero coletivo com relação a curtidas e algoritmo... mas é aquela coisa. As redes sociais se fazem de mais importantes q realmente são. Creio q pra ganhar nossa atenção cada vez mais. Não q eu n goste mais de internet e tal... mas me desencantei um tanto. Enfim... Besos e sempre bom te ler.
ResponderExcluirOi Lila! Desde já mandando tudo de bom pra sua mãe pra sua família toda, que os resultados dos exames sejam positivos e que tudo fique bem logo, logo <3
ExcluirEu tenho me desencantado muito com as redes sociais e com a internet, procuro passar menos tempo aqui do que passava uns 2 anos atrás. Até mesmo no blog, só venho quando quero e me sinto bem para compartilhar.
Desde que comecei a dar aula e passei a ter contato com uma realidade muito dura, com crianças vindas do sistema, com fome, abusadas, passei a enxergar os "problemas" com algoritmos e coisas do gênero como muito pequenos. Claro que cada um tem a sua realidade e o que é pequeno para mim, pode ser grande para outra pessoa, mas é preciso sair dessa bolha para ver que existe algo maior lá fora.
Sempre que vejo as pessoas desesperadas em busca de likes, paro e penso se realmente querem compartilhar arte ou se querem fama e números. Sempre gosto de pensar que a internet me deu oportunidade de mostrar trabalhos que ficariam para sempre numa pasta preta, e que eu poderia me conectar com outras pessoas, com os mesmos gostos e que pudessem somar, mas o número nunca foi a meta.
Por mais que eu tente, principalmente nos grupos, fazer com que as pessoas entendam que tá tudo bem não alcançar o algoritmo, não vejo esse quadro melhorando. Talvez quando as redes que conhecemos acabarem e outras surgirem, com uma nova proposta.
Bjks