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Meu último post foi sobre o livro O Ato Criativo, cheio de ressalvas quanto a abordagem privilegiada do autor. Mas Arte e Medo: observações sobre os desafios (e recompensas) de fazer arte, lançado originalmente em 1993 e traduzido agora pela Seiva, vai totalmente na contramão da leitura anterior.
O foco da obra é no fazer artístico - o fazer de pessoas comuns, fazer que nem sempre será reconhecido, vendido ou exposto num museu, mas que carrega significado e importância para quem o faz. Em tempos de documentar a vida na internet, para deixá-la para uma posteridade que sabe-se lá se virá ou não, um livro com mais de 30 anos vem nos lembrar que a boa arte é aquela que faz sentido para quem a produz, e que reconhecimento, fama ou qualquer outra contrapartida é quase um efeito colateral.
...as únicas pessoas que vão se importar com seu trabalho são aquelas que se importam pessoalmente com você. Aquelas próximas o bastante para saber que fazê-lo é essencial para o seu bem-estar. Elas sempre irão se importar com o seu trabalho, se não por ser excepcional, por ser seu... (p. 19)
Arte e medo não é um livro carregado de receitas, não ensina a ganhar seguidores e nem a fazer seu trabalho bombar. É um livro que fala muito mais à solidão do artista, aquela da página em branco, e ao medo de iniciar um novo projeto, de não ser bom o suficiente, de se tornar uma farsa ou uma cópia. É o tipo de livro "de ateliê", que nos coloca de novo nos trilhos, quando parecemos estar perdidos no meio do nosso próprio processo.
Na verdade, uma das poucas certezas sobre a cena artística contemporânea é que alguém, que não é você, está decidindo qual arte - e quais artistas - faz parte dela. São tempos difíceis para a modéstia, a artesania e a ternura. (p. 78)
Apensar de ser fininho, a leitura não é tão rápida assim, pois nos faz pensar, recordar, dar voltas e criar cenários e discussões em nossa cabeça. O medo é algo que vai nos acompanhar durante a jornada artística, mas, na minha opinião, a solidão é o ponto-chave do livro e como vamos aprendendo a conviver com ela - muito mais do que o receio de qualquer coisa.
Uma das partes que mais me pegou foi sobre arte e docência, pois passo por isso na minha rotina:
Quem leciona já conhece o padrão. Ao final da semana escolar, o sujeito tem pouca energia sobrando para qualquer atividade artística mais exigente do que preparar argila ou limpar pincéis. Ao final do semestre, dar atenção aos trabalhos inacabados (e aos relacionamentos desgastados) pode muito bem ser mais urgente do que criar qualquer arte nova. Existe um risco real (e com exemplos abundantes) de que um artista que leciona descambe para algo muito menor: um professor que costumava fazer arte. (p. 88)
Após concluir essa leitura, fiquei pensando o por quê artistas precisam de obras assim, que validem seus sentimentos e sua prática (não vejo o mesmo interesse em publicações para cirurgiões, advogados ou engenheiros). Trabalhar com a área de humanas e com subjetividades nos leva a ser testados o tempo todo, e isso é bastante cansativo, pois o trabalho não acaba ao chegar em casa, ele está sempre permeando tudo e bebendo de todas as fontes para ser feito.
Talvez seja uma das tantas lições que uma sociedade focada na produtividade e na performance deva aprender: que a arte nem sempre vai gerar um produto, nem sempre terá uma utilidade, ou uma explicação óbvia para o restante das pessoas.
Já falei: Sobre frustração e se definir artista
5★
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